Eu publiquei o texto abaixo em 2005 no jornal Gazeta do Povo. Embora eu não goste de algumas frases, minhas idéias continuam absolutamente as mesmas.
“Considerações Pós dia das Mães”
Simone de Beauvoir, em seu célebre livro O Segundo Sexo (1949), assevera o seguinte: “Não se nasce mulher, torna-se mulher”. Muito embora a filósofa francesa, companheira do mais ainda célebre filósofo existencialista, Jean Paul Sartre, nunca ter sido mãe, pergunto-me se sua frase se aplica à questão da maternidade. E aí, a frase leria-se desta forma: “Não se nasce mãe, torna-se mãe”. De qualquer forma, que reflexões estaria Simone fazendo se ela tivesse formulado tal pergunta? Tal qual a pergunta feita em O Segundo Sexo, ela estaria dizendo que não, não nascemos com o talento singular da maternidade; ser mãe é uma construção sócio-cultural.
Isto me fica muito claro depois do dia das mães. A figura da mãe é enaltecida nas músicas ensaiadas pelas crianças nas escolas, nas propagandas de televisão, nos outdoors, nas revistas e jornais. Somos bombardeados pela imagem da mamãe. Mães-esportivas, mães-intelectuais, mães-peruas, mães-executivas, mães-mais-novas, mães-mais-velhas, mães com os mais vários estereótipos. Mas todas iguais. Como assim? Prestem atenção: são todas mães lindas, graciosas, elegantes, com corpões (sim, mesmo as mais velhas!) e principalmente – característica inequívoca de toda mãe: felizes, felicíssimas.
Ora bolas, fico aqui eu pensando com meus botões…. A mãe da minha mãe não é assim. Minha mãe não é assim. Eu não sou assim. Quem, pergunto, quem corresponde a esta imagem tão sacrosanta da mãe? Mas antes que você atire pedras, caro leitor, permita-me explicar melhor. Acredito, no mais profundo do meu eu, que há, realmente ‘algo’ que santifica a figura materna. Mas o santo não está no sorriso plástico, nem no corpo perfeito e tampouco na felicidade à toda prova. Fazer apologia à figura materna por intermédio destes estereótipos é fazer um verdadeiro desserviço às mães.
A realidade é que a sociedade constrói padrões que nos levam a querer ser, talvez, o que não podemos. No caso específico da maternidade, parece que a mulher nasceu para ser mãe. Lembro da minha reação, anos atrás, frente ao comentário de uma amiga: “Nunca quis ser mãe”: fiquei um pouco decepcionada com ela, coitada. Para mim, não querer ser mãe era uma afronta, uma espécie de falha de caráter. Hoje com anos de kilometragem materna rodada e com um senso crítico um pouquinho mais apurado (olhe que otimista!), reconheço a maturidade, sabedoria e até coragem da minha amiga. Ser mãe não é para todas. Ser mãe envolve responsabilidades, tempo, amor, dinheiro e muito, muitíssimo doar-de-si.
Quando vejo crianças ao léo, viciadas em telenovelas, grudadas nas telas do computador, crianças cujo habitat natural é o shopping center, me pergunto o que aconteceu com a infância, será que, como diz o pessimista filósofo Baudrillard, a infância e adolescência não existem mais? E as mães existem? Arrisco a dizer que sim, existem. Talvez reconfiguradas, espelhos destas novas crianças e adolescentes. A reconfiguração da mãe moderna é complexa, pois ela tenta a todo custo cumprir todos os papéis sociais que a sociedade contemporânea lhe impõe. Não consegue aquele padrão de beleza cruel, não consegue aquele sorriso plástico retocado por programas de computadores, não consegue ser feliz o tempo todo, não consegue ser mãe perfeita. Talvez muitas devessem seguir as sábias – porém ainda polêmicas – palavras da minha amiga. A maternidade é, sobretudo, uma questão de escolha.